Experimento estoico: aprendizados, virtudes e prática nos primeiros 90 dias

Em meados de agosto publiquei o primeiro story no meu Instagram com um fundo preto e uma frase de Epíteto de quase 2 mil anos atrás: “Make the best use of what is in your power, and take the rest as it happens“. Repeti esse experimento por exatos 60 dias ininterruptos alinhando a busca de frases conhecidas da filosofia com inserções práticas na minha rotina pessoal e profissional. Ao tornar público, me “auto incentivava” a manter a busca diária e o compromisso de reservar os primeiros minutos do meu dia a entender como poderia incluir uma prática diferente na minha rotina.

E o estoicismo é exatamente sobre PRÁTICA, não apenas estudo.

Durante os 30 dias subsequentes não publiquei mais frases, mas utilizei o período para uma percepção sobre 4 principais aprendizados de muitos insights que eu tinha tomado nota nos primeiros 60 dias do experimento, buscando analisar como se comportavam após o estímulo positivo imediato do aprendizado. Nesse artigo, vou compartilhar as 4 notas e minhas percepções dos primeiros 90 dias da prática estoica.

Antes disso, segue um resumo sobre o que é o estoicismo e os conceitos conhecidos da filosofia. Obs.: você vai encontrar artigos melhores em outros sites/blogs, meu objetivo não é fazer um artigo sobre “o que é estoicismo?”, mas sim compartilhar meus aprendizados sobre meu experimento em 90 dias.

Estoicismo: 2 mil anos de uma filosofia ainda atual

Apesar da “fundação” da primeira escola considerada estoica ser datada de 300 a.C., a filosofia se mantém extremamente atual. Zanão de Cítio, que inicialmente era um mercador nas regiões gregas, criou em Atenas a “Stoa Poikile”, um ambiente aberto ao público onde ensinava os fundamentos da sua filosofia.

Apesar da origem grega, a filosofia ganhou notoriedade com os romanos após a incorporação da Grécia pelo Império Romano. O fato é que muitas obras e registros escritos do estoicismo inicial não sobreviveram ao tempo. É exatamente por isso que não existe um documento ou livro único com os “X princípios definitivos do estoicismo”, pois cada obra posterior sobre o tema é uma releitura, interpretação e/ou registro pessoal sobre os princípios da filosofia, como é o caso da obra “Meditações”, um diário filosófico de Marco Aurélio em formato de notas pessoais.

Apesar de existir pensamentos conhecidos atribuídos ao estoicismo, cada publicação do tipo “10 princípios”, “8 fundamentos”, “5 virturdes” ou “7 valores do estoicismo” são interpretações adaptadas dos registros iniciais conhecidos da filosofia e, portanto, a PRÁTICA se torna a essência dessa filosofia na ausência de um “guia definitivo” de como se tornar um estoico em 90 dias.

Dado o contexto, deixo claro que o objetivo desse artigo não é um manual ou guia para você se tornar um estoico em 90 dias, mas um registro pessoal da minha jornada de aprendizado com os registros de Sêneca, Epíteto, Marco Aurélio e companhia. Então, vamos ao que interesssa.

#01 | Dicotomia do controle

Meu primeiro grande aprendizado foi sobre “controle”. Os principais pensamentos sobre controle no estoicismo são atribuídos a Epíteto, inclusive esse é seu primeiro pensamento apresentado em Enchirídion (considerado o Manual de Epíteto). Temos a tendência de sofrer ou nos preocupar excessivamente em situações que estão fora do nosso controle ou influência e, segundo Epíteto, a aflição e sofrimento nascem em focar naquilo que não controlamos.

“Faça o melhor com o que estiver em seu poder, e apenas aceite o que vier a acontecer. Algumas coisas estão ao nosso alcance e outras coisas não estão.”

Epíteto

O fato é que assumir a responsabilidade exclusivamente pelo que você controla é um exercício difícil. Nos preocupamos com a cotação do dólar, com a resposta do cliente sobre a proposta enviada, com o que as pessoas vão achar do nosso relatório ou em ficar doente antes de uma viagem de férias.

O sofrimento surge da nossa vontade de controlar esses resultados, que estão necessariamente fora de nosso controle. O controle está em nosso esforço para influenciar essas ações, mas não controlamos o efeito.

A dicotomia do controle se baseia na ideia de que todas as coisas podem ser classificadas em duas categorias: (1) coisas que podemos controlar e (2) coisas que NÃO podemos controlar. Por exemplo, há pessoas que se preocupam excessivamente sobre como outras pessoas podem julgar algo da sua personalidade ou trabalho. A verdade é que o pensamento de outra pessoa está FORA do nosso controle, o que estaria no lado incontrolável da equação da dicotomia. Agora, ser gentil e atencioso com uma pessoa está do lado controlável da equação, portanto é algo que você pode influenciar (e agir) para levar ao pensamento esperado. Porém, após agir, controlar o pensamento de outra pessoa está fora da nossa possibilidade humana. Portanto, esse não deve ser mais motivo de preocupação.

Sendo o mais prático possível, situações corriqueiras do dia a dia, tais como o atraso de um cliente, a falta de educação de uma pessoa no trânsito, a previsão do tempo ou a segurança de um voo são coisas absolutamente fora do nosso controle que, portanto, não merecem nossa energia.

#02 | Autorresponsabilidade

A percepção sobre a qualidade do nosso pensamento e entender que é possível criar estratégias para assumir o controle sobre o que pensamos foi, com certeza, o maior choque de aprendizado que tive nesses primeiros 90 dias. Esse foi o segundo aprendizado!

Sabe aquele pensamento que fica “martelando” em nossa mente que o projeto X não vai dar certo? Muitas vezes nem sequer percebemos que esse pensamento existe, mas podemos ser conscientes sobre ele e, o melhor de tudo, influenciá-lo.

“A felicidade de sua vida depende da qualidade de seus pensamentos.”

Marco Aurélio

A autoconsciência é a percepção de que esse tipo de pensamento existe o tempo todo flutuando em nossa cabeça. O fato aqui não é ter como regra ser otimista ou positivo em todas as situações, isso não existe. Mas, perceber que um pensamento negativo que está divagando em nossa mente existe e isso afeta a sua energia, deixando você triste ou ansioso, é o primeiro passo de se tornar consciente sobre a qualidade do seu pensamento.

Aí nasce a autorresponsabilidade! Você percebeu que o pensamento X é negativo e influencia sua energia? Use a dicotomia do controle novamente: se o resultado do projeto está nas mãos de outra pessoa e não há influência possível sobre o resultado, isso está fora do nosso controle. Se você pode agir sobre o resultado, a autorresponsabilidade deve guiá-lo a construir uma estratégia de substituir o pensamento “e se o projeto X não der certo?” por “quais ações eu posso fazer para fazer o projeto X dar certo?

A autorresponsabilidade é um nível de consciência de que podemos influenciar a qualidade do pensamento e criar estratégias para assumir o controle daquilo que podemos influenciar. O pensamento negativo do tipo “e se o piloto do avião não estiver em um dia bom?” só causa sofrimento e desgaste desnecessário. Nesse caso, a qualidade do pensamento influenciou sua felicidade.

#03 | Qualidade do tempo

É uma experiência assustadora entrar no gerenciador de bem-estar do seu smartphone e ver quanto tempo você perde em determinados aplicativos. Se você nunca fez, sugiro fazê-lo agora! Tanto o Android quanto iOS possuem recursos de monitoramento de uso.

Sabe aquele scrolling no Instagram quando você chega do trabalho e o sofá te abraça? Não foi só 10 minutinhos. O Brasil é o segundo país do mundo no ranking de tempo de tela, ficando também em terceiro lugar na quantidade de tempo usado em redes sociais. O brasileiro gasta, em média, 3h31min em redes sociais todos os dias (fonte: Global Digital Overview e Hootsuite).

Considerando que a leitura de um livro comum leva entre 6 e 8 horas, apenas diminuindo pela metade o tempo de redes sociais, um brasileiro comum conseguiria incluir a leitura de 4 livros por mês em sua rotina.

As pessoas são frugais na guarda de seus bens pessoais; mas assim que se trata de desperdiçar tempo, eles perdem aquilo em que é justamente certo ser mesquinho”.

Seneca

Este é apenas um exemplo sobre a qualidade no uso do tempo e é claro que não precisamos nos tornar alienados à tecnologia ou redes sociais para buscar uma vida plena. O meu exercício pessoal neste tópico sobre qualidade do tempo foi fazer um timeboxing da minha agenda para visualizar a alocação de tempo naquilo que era mais importante e, de fato, influenciava os resultados que buscava.

Certa vez ouvi que o tempo é o recurso mais democrático que existe, pois todas as pessoas do planeta possuem as mesmas 24 horas no dia. O exercício aqui é perguntar continuamente como você está usando suas horas para construção daquilo que você deseja.

#04 | Consistência

Um dos ensinamentos estoicos presente nos pensamentos de três entre os principais estoicos (Epíteto, Marco Aurélio e Seneca) é a capacidade de aceitar seu destino e a forma como as coisas acontecem em sua vida com serenidade e temperança, sem excesso ou lamentações do tipo “por que isso aconteceu comigo?” ou “eu nunca tive sorte na vida”.

O julgamento do destino sob a ótica moderada não anula a necessidade do esforço em ser o tipo de pessoa que gostaríamos de ser. A consistência deste esforço é o ponto fundamental para análise do resultado. Ou seja, precisamos mudar a análise do resultado para o quão consistentes fomos em conseguir aquele resultado que gostaríamos.

O fato de não ter sido promovido ou não conseguir comprar o carro do seu sonho, não nos torna menos afortunados ou sujeitos sem sorte na vida. Essa análise única (da linha de chegada) é fria e vazia. Em vez disso, a análise da compatibilidade do nosso esforço com o resultado esperado é mais coerente, e a consistência se torna o ponto fundamental para busca desses resultados

“Primeiro diga a si mesmo o que você seria; e então faça o que você tem que fazer.”

Epíteto

Há quase 8 anos, escrevo (ou atualizo) próximo ao mês de dezembro uma descrição de mais ou menos uma folha de como eu me vejo nos próximos 10 anos. Aprendi isso em um curso comportamental que fiz em 2014 e repito essa tarefa sempre ao final de cada ano. Esse exercício me ajuda a ter clareza de quem eu gostaria de ser e qual o esforço hoje me direcionaria para esse resutado.

Porém, a comparação do resultado (no caso, minha frase escrita de como eu seria daqui 10 anos) é vazia se não comparada com a consistência do esforço para chegar lá. Ser consistente é manter uma linearidade no médio a longo prazo de ações que, quando combinadas, interferem positivamente na conquista ou construção de um resultado até então inexistente.

Com esse exercício estoico de 90 dias, mudei a percepção da minha análise que, anteriormente estava atrelada exclusivamente ao resultado (linha de chegada), para uma visão de que o esforço e o aprendizado incremental consistente faz parte do resultado final já que, muitas vezes, o resultado depende também de acontecimentos que estão parcial ou totalmente fora do nosso controle. Portanto, a consistência por si só também é uma medida importante de sucesso.

Você pode não ter comprado o carro do seu sonho no período planejado, isso na lógica míope seria um fracasso. Mas no mesmo período, você pode ter tido a oportunidade de fazer uma viagem internacional ou precisou direcionar recursos financeiros para problemas de saúde com um familiar. Nessas duas situações, seu mérito é parte do processo e, portanto, a análise do resultado final (carro do sonho) é frio se comparado com as condições do percurso. A análise mais prudente é a linha de chegada comparada com o esforço (e consistência) do caminho.

E agora… estoico?

Entendo esse experimento como um passo inicial de uma jornada longa de aprendizado (não apenas sobre estoicismo por si só, mas como viver uma vida moderada aprendendo constantemente). O nome da filosofia, metodologia, prática ou técnica empregada é menos importante do que o aprendizado em si.

Não existe um momento “AHAA” ou ponto da virada onde você se torna estoico como é o batismo em algumas religiões. Cada um de nós poderá ter um entendimento exclusivo e diferente sobre os ensinamentos estoicos e, no fim das contas, o que realmente importa é a capacidade de transformar esses aprendizados em ações práticas para uma vida que realmente vale a pena ser vivida.

Talvez em mais 90 dias, esse artigo possa ganhar uma “versão 2” que seja complementar, diferente ou… divergente. Afinal, o aprendizado é repleto de “desaprendizados” no caminho.